domingo, 27 de outubro de 2013

A Literatura e a História

Os dois artigos colocados abaixo deste são excertos da obra "Germinal" de Émile Zola.

Zola é um escritor francês do séc. XIX que, incomodado pela vida dura dos operários, tomou o partido deles e transformou-os em protagonistas desta sua obra magistral. Gostaria muito que lesses com atenção os excertos que escolhi e meditasses sobre eles. Depois, por favor, responde às seguintes perguntas:

1 - Em que condições de habitação, higiene e privacidade viviam as pessoas da família Maheu?

2 - Quantas pessoas compunham aquele agregado familiar? Dessas, quantas e quais trabalhavam? Como eram os salários de cada uma delas? De quanto em quanto tempo recebiam o salário?

3 - Que pensas da relação salário / esforço dos mineiros?

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Para quem tem jeito: ilustrar uma das cenas descritas nos artigos.

Atenção: não respondas no espaço dos comentários. Escreve uma mensagem e envia-a para o endereço deste blog:
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Quanto às ilustrações, prometo publicar as melhores.

Os Operários da Minas, segundo o "Germinal" de E. Zola


I - A família e a casa

Em casa dos Maheu, no número 16 do segundo bloco, nada se tinha movido. Trevas espessas afogavam o único quarto do primeiro andar, como que esmagando com seu peso o sono das criaturas que se adivinhavam ali a monte (...). Apesar do frio vivo do exterior, o ambiente, pesado tinha um calor de vida, esse cheiro requentado dos mais asseados dormitórios, que cheiram a gado humano.

Deram quatro horas no cuco da sala do rés-do-chão (...). Bruscamente, a Catarina levantou-se. Apesar do cansaço, tinha, pela força do hábito, contado as quatro badaladas do relógio, através do soalho, sem encontrar forças para acordar de todo. Depois, com as pernas de fora da roupa, apalpou, riscou um fósforo e acendeu a vela de sebo. Mas ficara-se sentada à beira do enxergão, com a cabeça tão pesada que se lhe bamboava de ombro para ombro, cedendo à invencível necessidade de tornar a cair sobre o travesseiro.

Agora, a vela alumiava o quarto, quadrado, com duas janelas, atravancado com três camas. Havia ali um armário, uma mesa, duas cadeiras de velha nogueira (...). E mais nada, a não ser trapos suspensos de pregos, e uma bilha no chão, ao pé de um alguidar encarnado que servia de bacia. Na cama da esquerda, o Zacarias, o mais velho, rapaz de 21 anos, estava deitado com seu irmão Jeanlin, que estava a fazer 11; na da direita, dois petizes, o Henrique e a Leonor, esta de 6 anos e aquele de 4, dormiam abraçados um ao outro; a Catarina partilhava o leito com a sua irmã Alzira, tão enfezada para os seus 9 anos, que nem ela a teria sentido junto de si, se não fosse a corcunda da pobre enferma, que lhe entrava pelas costelas dentro. A porta de vidraça estava aberta, via-se o corredor do patamar, a espécie de cacifo em que o pai e a mãe ocupavam um quarto leito, onde tinham encostado o berço da mais nova, Estela, apenas de 3 meses.

Delgada para os seus 16 anos, [Catarina] não mostrava dos membros, por fora da bainha estreita da camisa, senão os pés azulados, como que tatuados do carvão (...).

[Catarina acorda o pai e todos os irmãos. Com o barulho, a irmã pequenina acorda também, assim como a mãe. Esta fala com o marido:]

- Já te disse que estou sem dinheiro nenhum, e é segunda-feira; seis dias ainda a esperar pela quinzena... Não há meio de aguentar até lá. Vocês todos trazem-me nove francos por dia; como querem que os sustente? Olha que somos dez bocas.
- Ora, nove francos! - grunhiu o Maheu. - Eu e o Zacarias, a três, são seis... A Catarina e o pai [dele], a dois, são quatro; quatro e seis, dez... E o Jeanlin, um, são onze.
- Sim, onze; mas há os domingos e os dias de folga... Nunca passa de nove, que to digo eu!
Ele não respondeu (...). Depois disse (...):
- E graças a Deus que ainda tenho saúde. Aos quarenta e dois, muitos vão para o calçado velho.

Os Operários da Minas, segundo o "Germinal" de E. Zola


II - O trabalho na mina


Um a um, caminhavam todos, sem dizer palavra, à luzinha das lâmpadas. O rapaz [Estêvão, um mineiro novo] tropeçava a cada passo, metia os pés pelos carris. (...)

Mais adiante apresentou-se uma encruzilhada, abriam-se duas novas galerias; e o bando dividiu-se outra vez, pouco a pouco os operários repartiam-se por todas as secções da mina. (...) Atrelados de churriões (1), cheios ou vazios, passavam constantemente (...) Portas de ventilação batiam, fechavam-se lentamente. E, à medida que se avançava, a galeria fazia-se mais estreita e mais baixa, de tecto desigual, forçando as espinhas a dobrarem-se continuamente.

O Estêvão, rudemente, batia com a cabeça. Se não fosse o chapéu de couro, ficava com o crânio rachado. Todavia, seguia com atenção, na sua frente, os menores gestos do Maheu, cujo perfil sombrio se destacava do clarão das lâmpadas. (...) O rapaz sofria também com o escorregadio do chão, cada vez mais encharcado. (...) Mas o que sobretudo o espantava eram as bruscas mudanças de temperatura.

[Os mineiros prosseguiram o seu caminho até ao local de extracção]Era o veio onde se encontrava o seu corte. Logo às primeiras passadas, o Estêvão esbarrou com a cabeça e com os cotovelos. O tecto, oblíquo, descia tanto, que, em comprimentos de vinte e trinta metros, era necessário caminhar dobrado em dois. Dava-lhe água pelos tornozelos. (...)Andou-se assim duzentos metros (...).

Ao cabo de uns quinze metros, encontrou-se o primeiro caminho secundário, mas foi necessário continuar, o corte do Maheu e dos companheiros era no sexto carreiro, nas profundezas do Inferno, como eles diziam; e, de quinze em quinze metros, os carreiros sobrepunham-se, a subida era um nunca acabar, através daquela fenda que esfolava as costas e o peito. O Estêvão agonizava - com as mãos alquebradas, as pernas magoadas, a faltar-lhe sobretudo o ar a ponto de sentir o sangue espirrar-lhe da pele. Vagamente, num carreiro, avistou dois animais agachados, um grande e outro pequeno, empurrando churriões; eram a Lídia e a do Mouque, já trabalhando. (...)



[Finalmente começaram a trabalhar]Os quatro cortadores acabavam de se estender uns por cima dos outros, em toda a subida do corte. Separados pelas tábuas de ganchos que dividiam o carvão, ocupavam cada um pouco mais ou menos quatro metros de veio; e esse veio era tão delgado, com os seus cinquenta centímetros apenas de espessura naquele ponto, que estavam como que entalados entre tecto e parede, rojando-se sobre os joelhos e os cotovelos, sem se poderem virar que não magoassem as espáduas. Para cortarem a hulha tinham que estar deitados de lado, com o pescoço torcido, os braços erguidos, e brandindo de viés a picareta de cabo curto.




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(1) Churrião

No contexto: espécie de cesto ou vagão usado nas minas para transportar o minério. Pode rodar sobre carris e ser puxado por pessoas ou por animais.